Temos recebido, através de instituições que lidam diretamente com o mundo virtual, pedidos para que eu disponibilize os artigos que já fiz, mormente os relativos às questões sociais. Infelizmente, nunca os organizei, e a maioria não foi publicada. Outros se perderam.
Penso que esta manifestação de interesse está relacionada aos levantes sociais brasileiros, a chamada Primavera Brasileira. Afinal, por onde passei, tenho pensado nas coisas sob uma ótica muito pouco imediatista, mais racional e filosófica. O pragmatismo imediatista, o seu pior tipo, foi o que levou a este estado de coisas, e as pessoas parecem dar conta disto agora. No PT, a partir de 1994, com a instalação do pragmatismo imediatista eleitoral capitaneada por José Dirceu, o pensamento filosófico social-racionalista sofreu um duro golpe. Os próprios partidos que se desmembraram do PT estão sentindo isto nas ruas. Estão tomando as bandeirolas de seus militantes e ficando só com o pau delas para surrá-los. Não adianta dizer que não se trata de uma herança maldita.
A respeito do pragmatismo, vejamos o que nos diz Bertrand Russell, o mais racionalista e mais socialista dos filósofos ingleses:
"O pragmatismo enfatiza a opinião irracional, e a psicanálise enfatiza a conduta irracional. Ambos levaram as pessoas a perceber que não existe um ideal de racionalidade com o qual a opinião e a conduta possam estar em conformidade de forma vantajosa. A consequência parece ser que, se eu e você tivermos opiniões diferentes, é inútil apelar para o argumento, ou buscar a arbitragem de uma terceira pessoa imparcial; não há nada que possamos disputar pelos métodos da retórica, da propaganda ou da guerra, segundo o grau de nossas forças financeiras e militares. Acredito que essa perspectiva seja bastante perigosa e, a longo prazo, fatal para a civilização" (RUSSELL, B. Ensaios Céticos, Porto Alegre, 2010, ISBN 978-254-1722-0, p. 46).
Estou escrevendo esta matéria para responder aos pedidos que acima citei. Como a organização de meus escritos vai demorar um pouco, e há urgência em dar uma resposta aos pedidos feitos, a seguir, publico um artigo inédito que fiz em 14/05/2011 intitulado "O Modelo
Westminster de Democracia no Reino Unido". A análise honesta deste artigo pode ser útil para a solução do grave problema pelo qual passa o Brasil.
Kate Nash, cantora inglesa, na passeata de São Paulo, em solidariedade ao Povo Brasileiro
O Modelo Westminster de Democracia no Reino Unido[i]
Lossian
Barbosa Bacelar Miranda[1]
Summary. We make an analysis of the Westminster Model as classification made by Arend Lijphart, in a historical perspective.Resumo. Faz-se uma análise do modelo Westminster conforme proposta classificadora de Arend Lijphart dentro de uma perspectiva histórica.
Palavras-chave: Parlamento Britânico, democracia, história da Grã-Bretanha.
Keywords: British Parliament, Democracy, History of Britain.
Introdução
Os sistemas democráticos podem se apresentar de modos variados e uma versão
muito complexa, mas natural, é o parlamentarismo de tipo britânico, usualmente
conhecido por modelo de Westminster ou majoritário. Faremos uma
exposição deste modelo sob uma perspectiva histórica tomando por base a
classificação axiomática de Arend Lijphart que o classifica em conformidade com
dez características que o mesmo deve ter. Nas duas primeiras partes de nossa
exposição faremos uma síntese da história política do Parlamento Britânico e do
Commonwealth, e na terceira parte fazemos uma breve crítica sobre as
teses e as descrições básicas do acima referido autor acerca do modelo de Westminster.
Enriquecemos a nossa exposição com algumas informações recentes extraídas dos
sítios eletrônicos da Embaixada Britânica no Brasil e da Comissão Eleitoral do
Reino Unido, às quais agradecemos e pedimos desculpas por algum erro que
possamos ter cometido na elaboração desta humilde, mas gratificante tarefa que
nos permitiu conhecer um pouco mais acerca da história do Reino Unido.
1.
Breve História do Governo do Reino Unido
Os
povos mais antigos da Grã-Bretanha foram os celtas e os bretões, tendo a idade
do ferro iniciado nesta ilha por volta de 750 a.C. Este conjunto de ilhas foi
ocupado pelos antigos romanos em 54 a.C, germânicos saxões (povos que ocupavam
a regiões da atual Alemanha e Polônia) e anglos (provenientes da atual região
ocupada pela Dinamarca) em 410, vikings em 793, e normandos (povo que vivia na
França) em 1066. Entre 1135 e 1154 estoura uma guerra civil devido ao
estabelecimento do feudalismo, o qual é derrubado após este conflito.
Com
a morte de Ricardo I em 1199 assume o poder o rei João sem Terra, seu irmão,
que tendo hostilizado a Igreja e os nobres, se vê forçado a assinar a Carta
Magna, a qual impôs sérias restrições ao poder dos reis ingleses. Com o
falecimento de João Sem Terra em 1216 assume seu filho Henrique III, o qual se
indispôs com os nobres e foi obrigado a reafirmar a Carta Magna através das
Disposições de Oxford, a qual entregou o governo a um conselho de 15
integrantes e estabeleceu que o Parlamento se reuniria de quatro em quatro
meses. Conspirando com o papado, Henrique III anulou os acordos e disto
resultou uma guerra civil, da qual Henrique saiu vitorioso juntamente com seu
filho e sucessor Eduardo I, que estabeleceu o primeiro parlamento oficialmente
reconhecido. Eduardo I também expulsou e confiscou os bens de todos os judeus
da Inglaterra.
Em 1328 morreu Carlos IV da França, o qual não tinha sucessor e o trono francês, por direito, deveria caber ao seu sobrinho Eduardo III, rei da Inglaterra. Os nobres franceses não aceitaram, e teve início a guerra dos cem anos, da qual a Inglaterra saiu derrotada em 1453. Entre 1455 e 1487 ocorreu a guerra das duas rosas, um conjunto de conflitos armados decorrentes da luta fratricida travada pelos descendentes de Eduardo III pelo trono inglês.
Em 1642 inicia-se a primeira guerra civil travada entre os partidários do Parlamento e os do rei inglês Carlos I. Antes de tudo, convém observar que antes desta guerra o Parlamento não era um órgão permanente, apenas aconselhava o rei através de avisos chamados Bill of Rights. O motivo inicial da guerra foi a recusa do Parlamento em aceitar o aumento de impostos. O Parlamento foi dissolvido e o rei Carlos I governou sem parlamento por 11 anos. O rei “caiu” nas mãos da Igreja Anglicana, tentou estabelecer a unificação da Grã-Bretanha com a Escócia através da introdução forçada daquela em toda a Grã-Bretanha, mas foi impedido pelos escoceses, em sua grande maioria adeptos do presbiterianismo. Sem finanças para promover as ações militares na Escócia, Carlos I restabelece o Parlamento em 1640, o qual novamente se recusa a aumentar impostos, e mais uma vez foi dissolvido. Com mais derrotas sofridas na Escócia é restabelecido o Parlamento em novembro de 1640 e sancionadas leis que estabeleciam três anos para renovação do Parlamento, bem como a impossibilidade de dissolução do mesmo e criação de impostos pelo rei.
Há controvérsias em relação ao estopim da guerra. A consagrada enciclopédia britânica limita-se a dizer que após a derrota das tropas reais em Newburn em agosto de 1640 o rei precisou convocar novo Parlamento com o objetivo de conseguir fundos para montar um novo exército e o Parlamento se ergueu perante o rei e, em junho de 1642, apresentou as Dezenove Propostas restringindo o poder real. A negativa do rei deu início ao conflito, e o mesmo foi derrotado, tendo sido executado em 30 de janeiro de 1649. Deu-se início ao regime de soberania do Parlamento conhecido como Commonwealth, com o retorno dos judeus e o fortalecimento do comércio marítimo inglês através da promulgação do Estatuto de Navegação de 1651.
Após a decapitação de Carlos I o comandante militar vitorioso e membro do Parlamento, Oliver Cromwell, era o centro do poder. Em 1653 Cromwell instaura uma ditadura, um regime de terror, e dissolve o Parlamento. Com a morte de Cromwell em 1658 o comandante das tropas da Escócia convoca um novo Parlamento, o qual convida Carlos II, filho de Carlos I, para assumir o trono inglês.
Por ser relevante para análises futuras, convém tecer um breve comentário acerca do processo de julgamento e execução de Carlos I por traição. Sem recursos para continuar a guerra, Carlos I se refugiou na Escócia em 1646, dando fim à primeira fase da Guerra Civil Inglesa. É então capturado pelos militares em Holdenby House, os quais não o entregam ao Parlamento, descontentes com a falta de pagamentos e desmobilização proposta pelo mesmo. Carlos I aproveita esta situação para tramar com os escoceses o restabelecimento de seu poder fazendo concessões aos mesmos, inclusive o estabelecimento do presbiterianismo na Grã-Bretanha. Ocorrem sublevações contra o Parlamento e os escoceses invadem a Inglaterra. No entanto, são vencidos, e as tropas lideradas por Cromwell invadem a Escócia. O Parlamento instala um processo contra Carlos I por traição. Em 1648, após grande dificuldade em encontrar juizes, por uma apertada diferença de 68 contra 67 votos, Carlos I foi considerado culpado.
Após o restabelecimento da monarquia em 1660 com Carlos II, são executados os juízes que participaram do processo do qual resultou a execução de Carlos I. Oliver Cromwell, em particular, por já estar bem morto, foi desenterrado para permanecer com o esqueleto enforcado para apreciação pública. No governo de Carlos II, em 1679, foi estabelecido o habeas corpus, objetivando evitar as prisões arbitrárias. Como este monarca adotou medidas que beneficiaram os católicos, o Parlamento, em sua maioria composta por protestantes, decretou que todos os servidores públicos jurassem rechaçar o catolicismo, fato que dividiu o Parlamento em dois grandes partidos, a saber, os whigs, intransigentes defensores do poder do Parlamento e os tories, partidários do rei. Este monarca morre em 1685, sendo sucedido por seu irmão católico Jaime II, o qual não teve boa aceitação e um grupo de nobres conspirou contra o mesmo para substituí-lo pelo seu genro governante da Holanda, então em guerra contra a França, Guilherme de Orange. Guilherme desembarcou com o poderosíssimo exército holandês em 5 de novembro de 1688 e as tropas do rei Jaime II desertaram. O rei Jaime II foi capturado e mandado exilado para a França. Em 1689 o Parlamento declarou a abdicação de Jaime II e Guilherme de Orange assumiu o trono inglês com o nome de Guilherme III aceitando todas as imposições estabelecidas pelo Parlamento na Declaração de Direitos. Tal declaração subordinava as decisões do rei à autoridade do Parlamento. Este arranjo político era benéfico para Guilherme que passou a ter o apoio da Grã-Bretanha em sua guerra contra a França, e para o Parlamento, que mantinha a sua soberania e portanto, a da Grã-Bretanha, intacta frente a um governante estrangeiro. Guilherme reinou até 1702, sem deixar filhos com Maria filha de Jaime II. Sucedeu-lhe ao trono Ana Stuart, filha de Jaime II que reinou até 1714. Objetivando evitar que sucedesse ao trono seu irmão Jaime Eduardo, católico exilado na França, o Parlamento proclamou o príncipe alemão Jorge de Hanover como rei Inglês, o qual assumiu com o nome de Jorge I e reinou até 1727, tendo sido sucedido por seu filho Jorge II, também alemão, o qual reinou até 1760 no que foi sucedido por seu filho Jorge III, o qual reinou até 1820. Tendo em vista o fato de que tanto Jorge I quanto Jorge II pouco se interessavam pelos assuntos da Grã-Bretanha, adotaram a estratégia de permitir que uma equipe de parlamentares de confiança dos demais dirigisse os assuntos do governo britânico. Tal procedimento resultou na instalação do sistema de governo de gabinete atualmente vigente no Reino Unido. No entanto, cumpre observar que a instalação de eleições democráticas para o Parlamento só ocorreu no início do século XIX, durante o reinado de Jorge III. Antes disso, as eleições não eram secretas e havia muita manipulação e corrupção. Jorge III foi substituído por Jorge IV que governou até 1830, ano em que assumiu Guilherme IV, seu filho, que reinou até 1837, quando foi substituído pela rainha Vitória, que permaneceu no poder até 1901. Durante o reinado de Guilherme IV os tories passaram a se chamar de conservadores e os whigs, de liberais, nomes que continuam até os dias atuais. Durante o longo período do reinado da rainha Vitória ocorreu o expansionismo do Império Inglês e o estabelecimento do sufrágio universal masculino. Durante este período os partidos Conservador e Liberal se revezaram no poder, tendo Disraeli e Gladstone como principais líderes destes partidos. Só em 1928 as mulheres adquiriram o direito de votar e serem votadas. Por volta de 1914, com o crescimento do sindicalismo, o Partido Trabalhista entra em cena como uma grande força política. Com a declaração de guerra contra a Alemanha na primeira Guerra Mundial em 1914 é formado um governo de coalizão em 1915 composto por trabalhistas, liberais e conservadores. A recessão ocorrida após a primeira guerra mundial levou a um governo de coalizão entre trabalhistas e liberais em 1924. Os conservadores, trabalhistas e liberais também fizeram um governo de coalizão durante a segunda guerra mundial sob o comando do conservador Winston Churchill e desde 1945 os trabalhistas e os conservadores se revezam no poder, com oito vitórias para os conservadores e nove para os trabalhistas. O quadro dos partidos políticos do Reino Unido, distribuídos em Gales, Escócia e Irlanda do Norte, hoje é composto por mais de 170 partidos, sendo maiores os seguintes: Partido Trabalhista[2], Liberal Democrats, Partido Comunista Britânico, Partido Conservador do Reino Unido, Partido Liberal Democrata, Partido Liberal do Reino Unido, Partido Nacional Britânico, Partido Republicano Sinn Féin, Partido Trabalhista do Reino Unido, Partido Unionista do Ulster, Partido Whig, Sinn Féin, Tory, União Britânica de fascistas, Partido Unionista Democrático. As eleições para a escolha de todos os membros do Parlamento ocorrem de cinco em cinco anos ou por convocação do Primeiro-Ministro.
O Reino Unido não possui uma constituição escrita. No entanto, possui muitos documentos escritos de característica constitucional. Os principais são os seguintes: Magna Carta (1215), Bill of Rights (1689), Reform Act (1832), Human Rights Act (2000). Os direitos e os deveres dos cidadãos são regidos por uma combinação de convenções, leis parlamentares (atos parlamentares) e direitos jurisprudenciais (common law). O Parlamento é composto pela Rainha, Câmara dos Lordes e Câmara dos Comuns. Esta última elabora as leis e o partido nela majoritário governa em nome da Rainha, a qual possui uma função essencialmente cerimonial. A Câmara dos Comuns é composta por membros representantes de distritos eleitorais e atualmente é formada por 659 membros maiores de 21 anos. A Câmara dos Lordes é formada por mais de 695 membros da nobreza e da Igreja Anglicana. O gabinete é formado por 20 ministros, todos indicados pelo Primeiro-Ministro, entre membros do Parlamento.
O processo legislativo segue as etapas a seguir. Apresentação de projeto de lei na Câmara dos Comuns, discussão com votação das partes controversas, análise pelas comissões com possibilidade de sugestões por parte de grupos externos ao Parlamento, debate de sugestões feitas pelas comissões, envio para análise e debates na Câmara dos Lordes (sofrendo tramitações análogas às ocorridas na Câmara dos Comuns), aprovação real e por último, implementação. Caso a Câmara dos Lordes modifique o projeto, o mesmo retorna à Câmara dos Comuns, podendo aquela reter um projeto por no máximo um ano, exceto os de caráter financeiro.
Em 1999 foi realizado um processo de descentralização no Reino Unido com a criação do Parlamento da Escócia, da Assembléia Nacional de Gales e da Assembléia da Irlanda do Norte. O primeiro tem plenos poderes, a segunda possui competência para promulgar leis secundárias e a terceira possui competência específica nas áreas de educação, saúde, desenvolvimento regional, artes e serviços sociais. No entanto, o Reino Unido continua a ser um dos mais centralizados países da Europa. Existem 387 governos locais na Inglaterra, 22 em Gales, 32 conselhos na Escócia e 26 na Irlanda do Norte, com um total de mais de dois milhões de empregados.
O sistema eleitoral do Reino Unido é do tipo majoritário com maioria simples e desprovido de obrigatoriedade de voto. De cinco em cinco anos, obrigatoriamente, há eleições para os membros do Parlamento, para prefeitos e vereadores. Se um membro do Parlamento se aposenta ou falece, há eleição parcial em seu distrito para substituí-lo, evitando a vergonhosa figura do suplente. Cada membro do Parlamento representa o seu respectivo distrito, e o eleito é o candidato que obtém o maior número de votos naquele distrito. Para votar deve-se ser maior de dezoito anos. Não podem votar a Rainha, os membros da Câmara dos Lordes, os cidadãos não pertencentes à Comunidade Britânica (com exceção dos irlandeses residentes no Reino Unido) e os criminosos. Para ser candidato é necessário ser cidadão da Comunidade Britânica ou da República da Irlanda residente no Reino Unido e ser maior de 21 anos. Não há a obrigatoriedade de o candidato pertencer a nenhum partido, e geralmente há membros do Parlamento independentes, geralmente eleitos em virtude de defenderem ardorosamente a resolução de problemas locais. No entanto, o usual é que os candidatos sejam escolhidos pelos partidos locais e posteriormente aprovados em assembléia nacional dos partidos. Não há a necessidade de o candidato residir na região geográfica abrangida por seu distrito eleitoral. Em 2000 foi instituída a Comissão Eleitoral, órgão independente que supervisiona os gastos de Campanha, revisa leis e práticas, bem como esclarece a população acerca dos processos eleitorais. As campanhas eleitorais ocorrem aproximadamente durante um mês e os gastos de cada candidato estão limitados a 5.483 libras esterlinas mais o depósito de candidatura no valor de 500 libras, o qual é devolvido caso o candidato atinja mais de 5% dos votos de seu distrito. Os eleitores podem votar em urnas lacradas, pelos correios, pela internet, por telefone celular ou por procuração.
Os vereadores são eleitos com o objetivo de administrarem as atividades públicas locais tais como saúde, educação, comércio, agricultura, esporte e lazer. São eleitos por regiões administrativas bem menores que os distritos, perfazendo um total de mais de cem mil vereadores em todo o Reino Unido. As eleições diretas para prefeitos variam conforme o lugar. Em 1999 foi feita a primeira eleição direta para prefeito de Londres e em 2001 foram realizadas para outras grandes cidades. Também em 1999, pela primeira vez na história, os cidadãos do Reino Unido votaram em eleições proporcionais, por ocasião da realização da eleição para a escolha dos representantes dos distritos eleitorais regionais no Parlamento Europeu.
Em 1328 morreu Carlos IV da França, o qual não tinha sucessor e o trono francês, por direito, deveria caber ao seu sobrinho Eduardo III, rei da Inglaterra. Os nobres franceses não aceitaram, e teve início a guerra dos cem anos, da qual a Inglaterra saiu derrotada em 1453. Entre 1455 e 1487 ocorreu a guerra das duas rosas, um conjunto de conflitos armados decorrentes da luta fratricida travada pelos descendentes de Eduardo III pelo trono inglês.
Em 1642 inicia-se a primeira guerra civil travada entre os partidários do Parlamento e os do rei inglês Carlos I. Antes de tudo, convém observar que antes desta guerra o Parlamento não era um órgão permanente, apenas aconselhava o rei através de avisos chamados Bill of Rights. O motivo inicial da guerra foi a recusa do Parlamento em aceitar o aumento de impostos. O Parlamento foi dissolvido e o rei Carlos I governou sem parlamento por 11 anos. O rei “caiu” nas mãos da Igreja Anglicana, tentou estabelecer a unificação da Grã-Bretanha com a Escócia através da introdução forçada daquela em toda a Grã-Bretanha, mas foi impedido pelos escoceses, em sua grande maioria adeptos do presbiterianismo. Sem finanças para promover as ações militares na Escócia, Carlos I restabelece o Parlamento em 1640, o qual novamente se recusa a aumentar impostos, e mais uma vez foi dissolvido. Com mais derrotas sofridas na Escócia é restabelecido o Parlamento em novembro de 1640 e sancionadas leis que estabeleciam três anos para renovação do Parlamento, bem como a impossibilidade de dissolução do mesmo e criação de impostos pelo rei.
Há controvérsias em relação ao estopim da guerra. A consagrada enciclopédia britânica limita-se a dizer que após a derrota das tropas reais em Newburn em agosto de 1640 o rei precisou convocar novo Parlamento com o objetivo de conseguir fundos para montar um novo exército e o Parlamento se ergueu perante o rei e, em junho de 1642, apresentou as Dezenove Propostas restringindo o poder real. A negativa do rei deu início ao conflito, e o mesmo foi derrotado, tendo sido executado em 30 de janeiro de 1649. Deu-se início ao regime de soberania do Parlamento conhecido como Commonwealth, com o retorno dos judeus e o fortalecimento do comércio marítimo inglês através da promulgação do Estatuto de Navegação de 1651.
Após a decapitação de Carlos I o comandante militar vitorioso e membro do Parlamento, Oliver Cromwell, era o centro do poder. Em 1653 Cromwell instaura uma ditadura, um regime de terror, e dissolve o Parlamento. Com a morte de Cromwell em 1658 o comandante das tropas da Escócia convoca um novo Parlamento, o qual convida Carlos II, filho de Carlos I, para assumir o trono inglês.
Por ser relevante para análises futuras, convém tecer um breve comentário acerca do processo de julgamento e execução de Carlos I por traição. Sem recursos para continuar a guerra, Carlos I se refugiou na Escócia em 1646, dando fim à primeira fase da Guerra Civil Inglesa. É então capturado pelos militares em Holdenby House, os quais não o entregam ao Parlamento, descontentes com a falta de pagamentos e desmobilização proposta pelo mesmo. Carlos I aproveita esta situação para tramar com os escoceses o restabelecimento de seu poder fazendo concessões aos mesmos, inclusive o estabelecimento do presbiterianismo na Grã-Bretanha. Ocorrem sublevações contra o Parlamento e os escoceses invadem a Inglaterra. No entanto, são vencidos, e as tropas lideradas por Cromwell invadem a Escócia. O Parlamento instala um processo contra Carlos I por traição. Em 1648, após grande dificuldade em encontrar juizes, por uma apertada diferença de 68 contra 67 votos, Carlos I foi considerado culpado.
Após o restabelecimento da monarquia em 1660 com Carlos II, são executados os juízes que participaram do processo do qual resultou a execução de Carlos I. Oliver Cromwell, em particular, por já estar bem morto, foi desenterrado para permanecer com o esqueleto enforcado para apreciação pública. No governo de Carlos II, em 1679, foi estabelecido o habeas corpus, objetivando evitar as prisões arbitrárias. Como este monarca adotou medidas que beneficiaram os católicos, o Parlamento, em sua maioria composta por protestantes, decretou que todos os servidores públicos jurassem rechaçar o catolicismo, fato que dividiu o Parlamento em dois grandes partidos, a saber, os whigs, intransigentes defensores do poder do Parlamento e os tories, partidários do rei. Este monarca morre em 1685, sendo sucedido por seu irmão católico Jaime II, o qual não teve boa aceitação e um grupo de nobres conspirou contra o mesmo para substituí-lo pelo seu genro governante da Holanda, então em guerra contra a França, Guilherme de Orange. Guilherme desembarcou com o poderosíssimo exército holandês em 5 de novembro de 1688 e as tropas do rei Jaime II desertaram. O rei Jaime II foi capturado e mandado exilado para a França. Em 1689 o Parlamento declarou a abdicação de Jaime II e Guilherme de Orange assumiu o trono inglês com o nome de Guilherme III aceitando todas as imposições estabelecidas pelo Parlamento na Declaração de Direitos. Tal declaração subordinava as decisões do rei à autoridade do Parlamento. Este arranjo político era benéfico para Guilherme que passou a ter o apoio da Grã-Bretanha em sua guerra contra a França, e para o Parlamento, que mantinha a sua soberania e portanto, a da Grã-Bretanha, intacta frente a um governante estrangeiro. Guilherme reinou até 1702, sem deixar filhos com Maria filha de Jaime II. Sucedeu-lhe ao trono Ana Stuart, filha de Jaime II que reinou até 1714. Objetivando evitar que sucedesse ao trono seu irmão Jaime Eduardo, católico exilado na França, o Parlamento proclamou o príncipe alemão Jorge de Hanover como rei Inglês, o qual assumiu com o nome de Jorge I e reinou até 1727, tendo sido sucedido por seu filho Jorge II, também alemão, o qual reinou até 1760 no que foi sucedido por seu filho Jorge III, o qual reinou até 1820. Tendo em vista o fato de que tanto Jorge I quanto Jorge II pouco se interessavam pelos assuntos da Grã-Bretanha, adotaram a estratégia de permitir que uma equipe de parlamentares de confiança dos demais dirigisse os assuntos do governo britânico. Tal procedimento resultou na instalação do sistema de governo de gabinete atualmente vigente no Reino Unido. No entanto, cumpre observar que a instalação de eleições democráticas para o Parlamento só ocorreu no início do século XIX, durante o reinado de Jorge III. Antes disso, as eleições não eram secretas e havia muita manipulação e corrupção. Jorge III foi substituído por Jorge IV que governou até 1830, ano em que assumiu Guilherme IV, seu filho, que reinou até 1837, quando foi substituído pela rainha Vitória, que permaneceu no poder até 1901. Durante o reinado de Guilherme IV os tories passaram a se chamar de conservadores e os whigs, de liberais, nomes que continuam até os dias atuais. Durante o longo período do reinado da rainha Vitória ocorreu o expansionismo do Império Inglês e o estabelecimento do sufrágio universal masculino. Durante este período os partidos Conservador e Liberal se revezaram no poder, tendo Disraeli e Gladstone como principais líderes destes partidos. Só em 1928 as mulheres adquiriram o direito de votar e serem votadas. Por volta de 1914, com o crescimento do sindicalismo, o Partido Trabalhista entra em cena como uma grande força política. Com a declaração de guerra contra a Alemanha na primeira Guerra Mundial em 1914 é formado um governo de coalizão em 1915 composto por trabalhistas, liberais e conservadores. A recessão ocorrida após a primeira guerra mundial levou a um governo de coalizão entre trabalhistas e liberais em 1924. Os conservadores, trabalhistas e liberais também fizeram um governo de coalizão durante a segunda guerra mundial sob o comando do conservador Winston Churchill e desde 1945 os trabalhistas e os conservadores se revezam no poder, com oito vitórias para os conservadores e nove para os trabalhistas. O quadro dos partidos políticos do Reino Unido, distribuídos em Gales, Escócia e Irlanda do Norte, hoje é composto por mais de 170 partidos, sendo maiores os seguintes: Partido Trabalhista[2], Liberal Democrats, Partido Comunista Britânico, Partido Conservador do Reino Unido, Partido Liberal Democrata, Partido Liberal do Reino Unido, Partido Nacional Britânico, Partido Republicano Sinn Féin, Partido Trabalhista do Reino Unido, Partido Unionista do Ulster, Partido Whig, Sinn Féin, Tory, União Britânica de fascistas, Partido Unionista Democrático. As eleições para a escolha de todos os membros do Parlamento ocorrem de cinco em cinco anos ou por convocação do Primeiro-Ministro.
O Reino Unido não possui uma constituição escrita. No entanto, possui muitos documentos escritos de característica constitucional. Os principais são os seguintes: Magna Carta (1215), Bill of Rights (1689), Reform Act (1832), Human Rights Act (2000). Os direitos e os deveres dos cidadãos são regidos por uma combinação de convenções, leis parlamentares (atos parlamentares) e direitos jurisprudenciais (common law). O Parlamento é composto pela Rainha, Câmara dos Lordes e Câmara dos Comuns. Esta última elabora as leis e o partido nela majoritário governa em nome da Rainha, a qual possui uma função essencialmente cerimonial. A Câmara dos Comuns é composta por membros representantes de distritos eleitorais e atualmente é formada por 659 membros maiores de 21 anos. A Câmara dos Lordes é formada por mais de 695 membros da nobreza e da Igreja Anglicana. O gabinete é formado por 20 ministros, todos indicados pelo Primeiro-Ministro, entre membros do Parlamento.
O processo legislativo segue as etapas a seguir. Apresentação de projeto de lei na Câmara dos Comuns, discussão com votação das partes controversas, análise pelas comissões com possibilidade de sugestões por parte de grupos externos ao Parlamento, debate de sugestões feitas pelas comissões, envio para análise e debates na Câmara dos Lordes (sofrendo tramitações análogas às ocorridas na Câmara dos Comuns), aprovação real e por último, implementação. Caso a Câmara dos Lordes modifique o projeto, o mesmo retorna à Câmara dos Comuns, podendo aquela reter um projeto por no máximo um ano, exceto os de caráter financeiro.
Em 1999 foi realizado um processo de descentralização no Reino Unido com a criação do Parlamento da Escócia, da Assembléia Nacional de Gales e da Assembléia da Irlanda do Norte. O primeiro tem plenos poderes, a segunda possui competência para promulgar leis secundárias e a terceira possui competência específica nas áreas de educação, saúde, desenvolvimento regional, artes e serviços sociais. No entanto, o Reino Unido continua a ser um dos mais centralizados países da Europa. Existem 387 governos locais na Inglaterra, 22 em Gales, 32 conselhos na Escócia e 26 na Irlanda do Norte, com um total de mais de dois milhões de empregados.
O sistema eleitoral do Reino Unido é do tipo majoritário com maioria simples e desprovido de obrigatoriedade de voto. De cinco em cinco anos, obrigatoriamente, há eleições para os membros do Parlamento, para prefeitos e vereadores. Se um membro do Parlamento se aposenta ou falece, há eleição parcial em seu distrito para substituí-lo, evitando a vergonhosa figura do suplente. Cada membro do Parlamento representa o seu respectivo distrito, e o eleito é o candidato que obtém o maior número de votos naquele distrito. Para votar deve-se ser maior de dezoito anos. Não podem votar a Rainha, os membros da Câmara dos Lordes, os cidadãos não pertencentes à Comunidade Britânica (com exceção dos irlandeses residentes no Reino Unido) e os criminosos. Para ser candidato é necessário ser cidadão da Comunidade Britânica ou da República da Irlanda residente no Reino Unido e ser maior de 21 anos. Não há a obrigatoriedade de o candidato pertencer a nenhum partido, e geralmente há membros do Parlamento independentes, geralmente eleitos em virtude de defenderem ardorosamente a resolução de problemas locais. No entanto, o usual é que os candidatos sejam escolhidos pelos partidos locais e posteriormente aprovados em assembléia nacional dos partidos. Não há a necessidade de o candidato residir na região geográfica abrangida por seu distrito eleitoral. Em 2000 foi instituída a Comissão Eleitoral, órgão independente que supervisiona os gastos de Campanha, revisa leis e práticas, bem como esclarece a população acerca dos processos eleitorais. As campanhas eleitorais ocorrem aproximadamente durante um mês e os gastos de cada candidato estão limitados a 5.483 libras esterlinas mais o depósito de candidatura no valor de 500 libras, o qual é devolvido caso o candidato atinja mais de 5% dos votos de seu distrito. Os eleitores podem votar em urnas lacradas, pelos correios, pela internet, por telefone celular ou por procuração.
Os vereadores são eleitos com o objetivo de administrarem as atividades públicas locais tais como saúde, educação, comércio, agricultura, esporte e lazer. São eleitos por regiões administrativas bem menores que os distritos, perfazendo um total de mais de cem mil vereadores em todo o Reino Unido. As eleições diretas para prefeitos variam conforme o lugar. Em 1999 foi feita a primeira eleição direta para prefeito de Londres e em 2001 foram realizadas para outras grandes cidades. Também em 1999, pela primeira vez na história, os cidadãos do Reino Unido votaram em eleições proporcionais, por ocasião da realização da eleição para a escolha dos representantes dos distritos eleitorais regionais no Parlamento Europeu.
A última eleição para o Parlamento
ocorreu em 2005, com eleição de 646 membros do Parlamento, 13 a menos que na
eleição anterior devido a mudanças em distritos eleitorais da Escócia.
2. O Commonwealth
Desde a época de Oliver Cromwell se usa
o termo Commonwealth para se fazer referência à comunidade dos povos que
integram o reino da Grã-Bretanha. A Comunidade Britânica de Nações constitui
uma associação de estados soberanos formada pelo Reino Unido e algumas de suas
ex-colônias. O Commonwealth surgiu naturalmente a partir do desfazimento
do Império Britânico de modo até espontâneo devido principalmente à autonomia
administrativa existente nas colônias. Formalmente o Commonwealth surgiu
em 1931 com um objetivo predominantemente econômico. Seus idealizadores
propunham a formação de um bloco econômico que fizesse frente ao crescimento
econômico das demais potências. Atualmente este grupamento de nações possui 51
membros, grande parte deles adotando o sistema parlamentarista de tipo
britânico. A rainha do Reino Unido, cerimonialmente, é a chefe de Estado dos
membros desta comunidade.
3. As Características Básicas do Modelo Westminster
Muitos autores, como é o caso de Arend Lijphart, que
seguiremos de perto em nossa exposição, se referem a vários modelos de Westminster,
para diferentes países. Mas não parece haver diferenças significativas entre
eles que justifiquem uma abordagem separada em uma exposição introdutória como
a nossa. Objetivando colocar em foco também os aspectos históricos, nos limitaremos
à análise do modelo no Reino Unido.
Antes de tudo, convém observarmos que o
nome Westminster se refere ao palácio de Westminster[3], sede do Parlamento do
Reino Unido, onde se alojam a Câmara dos Comuns e a Câmara dos Lordes. O modelo
Westminster de democracia é o modelo político implantado na Grã-Bretanha ao
longo de séculos e que atingiu as características fundamentais atualmente
vigentes no final do século XVII. A partir da Revolução Gloriosa a estrutura
organizacional do comércio marítimo holandês é colocada à disposição do Império
Britânico, o qual se transforma no herdeiro dos impérios português e espanhol e
posteriormente no do Império Mongol. A organização política britânica, devido a
estes fatos históricos foi implantada e imitada em muitas nações do Mundo,
principalmente nas colônias da América e da Oceania.
Lijphart classifica este modelo de democracia, também chamado de majoritário, fazendo um misto de descrição e axiomatização. Este autor enumera dez características básicas para este modelo, conforme segue.
Lijphart classifica este modelo de democracia, também chamado de majoritário, fazendo um misto de descrição e axiomatização. Este autor enumera dez características básicas para este modelo, conforme segue.
3.1. Concentração
do Poder Executivo em gabinetes unipartidários e de maioria mínima.
Conforme vimos na síntese histórica acima, o poder no Reino Unido é concentrado
no gabinete, o qual é geralmente formado pelos membros do partido que obtém o
maior número de membros do Parlamento nas eleições gerais. Gabinetes de
coalizão são raros e têm ocorrido geralmente nos momentos de grandes
dificuldades, como é o caso das guerras prolongadas (primeira e segunda guerras
mundiais, por exemplo) e problemas sociais graves. As duas últimas eleições
gerais do Parlamento violaram a maioria mínima proposta por Lijphart. Em 2001,
das 659 vagas no Parlamento o Partido Trabalhista conseguiu 412 e em 2005, das
646 conseguiu 355. Os resultados das eleições locais de 2008 apontam no sentido
do restabelecimento do equilíbrio proposto pelo mesmo autor.
3.2. Gabinete dominante em relação à legislatura. Como o
parlamento pode destituir os gabinetes, estes deveriam ser dominantes perante
os legisladores. No entanto, o contrário é o que ocorre na prática, conforme
observa Lijphart. O autor despreza o fato de que o Primeiro-Ministro, o qual é
a personificação do gabinete, também pode destituir os membros do Parlamento
através da convocação de novas eleições gerais. Há uma via de mão dupla, onde
em princípio, deveríamos também esperar uma dominação dos gabinetes perante as
legislaturas. Mas o que Lijphart realmente entende por dominância? Seria a
imposição da vontade do gabinete sobre as vontades opostas dos membros do
Parlamento? Se este for o caso, torna-se difícil observar esta imposição sobre
vontades opostas. De fato, se o gabinete propõe um projeto e o Parlamento
aprova, não haveria uma simples soma de vontades? Se o gabinete propõe um
projeto e o Parlamento não aprova, a legislatura é que estará se impondo sobre
o gabinete. Além do mais, o gabinete não é algo alheio à legislatura, é apenas
uma fração do conjunto dos próprios legisladores, em geral formada pelos mais
participativos. Efetivamente, o conflito de vontades entre a legislatura e o
gabinete só se torna inquestionável quando ocorre a dissolução do gabinete ou a
convocação de eleições gerais. E nisto reside uma grande sabedoria, pois o nó
górdio da discórdia é desatado de modo não macedônico e sim com inteligência.
Quanto ao estabelecimento relativamente recente da necessidade de um voto
explícito de desconfiança por parte do Parlamento para a destituição do
gabinete, há um avanço, pois significa mais respeito ao princípio do
contraditório no mundo da política.
3.3. Sistema bipartidário. Desde a Revolução Inglesa do século
XVII instalou-se na Grã-Bretanha o bipartidarismo, inicialmente entre os tories
e os whigs, depois entre os liberais e os conservadores e por último
entre os conservadores e os trabalhistas. Estes últimos se fortaleceram durante
a primeira guerra mundial, subtraindo a maioria do apoio popular que recebiam
os liberais, herdeiros políticos dos whigs. Apesar de o Reino Unido
possuir 170 partidos políticos e ainda serem possíveis candidaturas
independentes, os conservadores e os trabalhistas dominam o cenário político e
desde 1945 jamais deixaram de obter, juntos, menos de 88% das vagas no
Parlamento. O foco das disputas partidárias é essencialmente a questão
sócio-econômica, havendo na Irlanda do Norte a disputa entre os católicos e
protestantes, e na Escócia e em Gales, disputas de caráter étnico. Uma questão
teórica relevante seria a de saber o grau de influência do sistema de escolha
por maioria simples para o bipartidarismo no Reino Unido, isto é, os
desdobramentos da lei de Duverger[4] levando-se em consideração os detalhes e a história do modelo Westminster.
3.4. Sistema de eleições majoritário e desproporcional. No sistema
eleitoral britânico de maioria simples o grau de proporcionalidade entre o
número de votos que um partido recebe e o número de vagas que ganha no
Parlamento é muito baixo. Em 1974 o Partido Trabalhista obteve mais da metade
das vagas do Parlamento com menos de 40% dos votos e os liberais obtiveram
menos de 2% das vagas com 18,6% dos votos. Em 1951 os conservadores obtiveram
uma larga maioria sobre todos os demais partidos obtendo menos votos do que os
trabalhistas. Os liberais têm sido mais prejudicados com o sistema e têm
proposto mudanças, as quais não são aceitas pelos trabalhistas e conservadores.
Se os partidos operam em todo o Reino Unido, e as regras eleitorais são as
mesmas para todos eles, não há motivos para queixas. No entanto, nesta
desproporcionalidade há razões de sobra para reclamações por parte das regiões
geográficas situadas em distritos com maior contingente populacional. Um
rearranjo bem feito nos distritos eliminaria o problema da desproporcionalidade
acima exposto. Porém, este rearranjo talvez pudesse causar problemas, tendo em
vista o fato de que cada distrito foi construído a partir de um processo
histórico que lhes é muito caro. Em relação às eleições para o Parlamento
Europeu e as assembléias regionais da Irlanda do Norte, Escócia e Gales as
eleições já usam critérios de proporcionalidade.
3.5. Pluralismo de grupos de interesse. Lijphart põe o pluralismo de grupos de
interesse em oposição aos modelos social-democratas de concertação existentes
em grande parte do continente europeu, nos quais há a formação de grupos,
geralmente representantes do governo, dos trabalhadores e dos patrões,
objetivando resolver os conflitos de classe e os problemas governamentais.
Lijphart afirma que as tentativas de concertação não deram resultados
satisfatórios na Grã-Bretanha, onde as classes dos empregados e patrões
preferem a adoção do confronto. De fato, o sistema britânico de escolha dos
governantes é de maioria simples e tal fato impôs ao longo de séculos o
pragmatismo do tudo ou nada, do certo e do errado, evitando a adoção de medidas
que “simultaneamente agradam a todos”. Neste ponto, o modo britânico de
enfrentar as contradições do sistema capitalista é reflexo de sua trajetória
histórica: o confronto. Ou se perde, ou se ganha, não há meio termo. E
atualmente os trabalhadores estão perdendo, inclusive a esperança no Partido
Trabalhista, o qual tem mostrado fortes sinais de debilidade nas últimas
eleições locais de 2008.
3.6. Governo unitário e centralizado. O Reino Unido é unitário e centralizado, não tendo os governos locais
nenhum poder constitucionalmente estabelecido, e sendo financeiramente
dependentes do governo central. Foge um pouco a esta regra a Irlanda do Norte,
a qual possuiu um elevado grau de autonomia desde 1921 quando a República da
Irlanda, que lhe é vizinha, tornou-se independente do Reino Unido[5], até 1972 quando lhe foi retirada a autonomia. Há também uma clara
tendência em direção à autonomia da Escócia e Gales, que já possuem os seus próprios
parlamentos regionais.
3.7. Concentração do poder legislativo numa legislatura unicameral.
No Reino Unido, o único poder que possui a Câmara dos Lordes é o de retardar o
início da vigência das leis de caráter orçamentário por até um mês e as demais
por até um ano, poder este que eles pouco exercem. Lijphart afirma que a
extinção da Câmara dos Lordes poderia ser feita pela Câmara dos Comuns por uma
votação em maioria simples, e fornece até a receita. Caso os nobres objetassem,
era só esperar um ano. O que o professor neerlandês não diz é que tipo de prato
indigesto resultaria da aplicação desta receita. Por diversas vezes os reis
tentaram acabar com o Parlamento e o resultado era sempre a guerra. Com certeza
a nobreza não permaneceria inerte durante um ano. É tempo demais para se tramar
todo tipo de conspirações. E ao longo da história os nobres ingleses têm se
mostrado muito hábeis nesta arte, inclusive, quase destruindo por completo as
dinastias dos reis católicos da Europa, os descendentes de Santa Clotilde.
3.8. Flexibilidade constitucional. O fato de a Constituição do
Reino Unido não ser escrita, ou seja, não existir em um único documento e sim
dispersa em vários documentos, incluindo alguns Atos do Parlamento, faz com que
ela possa ser alterada pelo Parlamento com votações através de maiorias
simples. Entretanto, cumpre salientar que o Parlamento não tem feito, ao longo
de séculos, modificações precipitadas, visto que os fatos históricos, por todos
eles conhecidos, pairam como uma espada de Dâmocles sobre suas cabeças.
3.9. Ausência de revisão judicial. Não há legislação
constitucional na qual possam as cortes testar a constitucionalidade de lei
regular. O Parlamento é a autoridade soberana em relação às mudanças e
interpretações da Constituição. Devido em parte a tal fato, o Gabinete mantém
um serviço permanente e personalizado de informação aos cidadãos.[6] Com a formação da União Européia o Parlamento abdicou de parte de sua
soberania em relação a algumas peculiaridades legais que dizem respeito a esta
associação e suas relações com os estados-membros.
3.10. Um banco central controlado pelo Poder Executivo. O banco da
Inglaterra foi um dos primeiros bancos centrais do mundo, tendo surgido em 1694
como instituição privada. Durante a guerra contra a França Guilherme de Orange
concedeu ao Banco da Inglaterra o direito de emitir moeda e de ser o banqueiro
do governo. Até 1946 o Banco da Inglaterra exerceu todas as atividades
clássicas definidoras de um banco central, mesmo sendo uma instituição privada.
A partir daí foi estatizado, tendo em vista a sua importância estratégica para
o Reino Unido.
Conclusão
Apesar de existir em cada grupo de poder uma tendência natural para a expansão e
concentração do mesmo, nos momentos de grandes dificuldades compartilhadas há a
tendência imperiosa para a divisão de responsabilidades e também de poder. As
antigas tribos do Saara, diante das ameaças externas, se uniam em grandes
conselhos e seus principais estrategistas assim permaneciam até a expulsão ou
derrota do invasor. Analogamente, o conselho dos anciãos em muitas culturas
primitivas é uma comprovação desta realidade. Quem não se lembra da reunião do
conselho dos chefes tribais do Afeganistão logo após o grande atentado de 11 de
setembro? Eles se reuniram durante vários dias, não condenaram o Mulá Omar e
ainda por cima deram respostas completamente evasivas e enigmáticas para as
perguntas dos dirigentes da OTAN. Ficou óbvio naquele momento que o que eles
estavam fazendo era elaborando um plano para a resistência, o qual ainda está
em curso, visto que a OTAN ainda não possui o completo controle do Afeganistão
e, dificilmente, algum dia terá.
Nestes conselhos temporários reside a gênese dos sistemas parlamentaristas, incluindo o britânico, que de tão ampliado e atuante passou a ser permanente. Poucos países foram tão submetidos a guerras como os que formam o Reino Unido. E desde a Revolução Gloriosa, nos momentos de paz, o Parlamento não teve o seu poder diminuído pela natural concentração de poder que poderiam ter promovido os reis. De fato, os reis Jorge I e Jorge II, que governaram por longos anos, deixaram o Parlamento muito à vontade, gerando uma tradição inquestionável de poder do mesmo. A conjunção dos motivos acima exposta explica o bom resultado do parlamentarismo britânico e o sucesso da Grã-Bretanha como nação. O brilho e a manutenção do modelo Westminster no Mundo é a prova de que a concentração de poder e a opressão dela decorrente podem ser contidas pelos povos.
Entretanto, o que se faz com grandes sacrifícios pode ser desfeito, principalmente se esquecermos a história. O Parlamento Britânico não é um modelo teórico que um cientista político, seja inglês ou não, possa entender abstratamente e tirar conclusões formais e legais desprovidas dos fundamentos históricos e culturais que os justifiquem. Não existe Parlamento sem o rei, não existe rei sem nobreza. É um completo absurdo pensar no Parlamento Britânico sem a Câmara dos Lordes, mesmo que isto seja legalmente possível. Mas o aumento do poder dos Primeiros-Ministros é um problema real para a manutenção do modelo Westminster. De fato, o aumento deste poder já constitui um desvio do padrão inicialmente estabelecido nos reinados dos príncipes alemães Jorge I e Jorge II.
Nestes conselhos temporários reside a gênese dos sistemas parlamentaristas, incluindo o britânico, que de tão ampliado e atuante passou a ser permanente. Poucos países foram tão submetidos a guerras como os que formam o Reino Unido. E desde a Revolução Gloriosa, nos momentos de paz, o Parlamento não teve o seu poder diminuído pela natural concentração de poder que poderiam ter promovido os reis. De fato, os reis Jorge I e Jorge II, que governaram por longos anos, deixaram o Parlamento muito à vontade, gerando uma tradição inquestionável de poder do mesmo. A conjunção dos motivos acima exposta explica o bom resultado do parlamentarismo britânico e o sucesso da Grã-Bretanha como nação. O brilho e a manutenção do modelo Westminster no Mundo é a prova de que a concentração de poder e a opressão dela decorrente podem ser contidas pelos povos.
Entretanto, o que se faz com grandes sacrifícios pode ser desfeito, principalmente se esquecermos a história. O Parlamento Britânico não é um modelo teórico que um cientista político, seja inglês ou não, possa entender abstratamente e tirar conclusões formais e legais desprovidas dos fundamentos históricos e culturais que os justifiquem. Não existe Parlamento sem o rei, não existe rei sem nobreza. É um completo absurdo pensar no Parlamento Britânico sem a Câmara dos Lordes, mesmo que isto seja legalmente possível. Mas o aumento do poder dos Primeiros-Ministros é um problema real para a manutenção do modelo Westminster. De fato, o aumento deste poder já constitui um desvio do padrão inicialmente estabelecido nos reinados dos príncipes alemães Jorge I e Jorge II.
Referências bibliográficas
1. DUVERGER,
Maurice. Os Partidos Políticos. 2 edição, RJ, Zahar, Brasília, Unb. 1980.
2. LIJPHART, Arend. Modelos de Democracia: desempenho
e padrões de governo em 36 países. Trad. Roberto
Franco. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
3. Nova Enciclopédia Barsa. – São Paulo:
Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações, 2000.
4. http://pt.wikipedia.org/wiki/Guerra_Civil_Inglesa;
5. Website: www.reinounido.org.br;
6. http://www.janda.org/c24/Readings/Duverger/Duverger.htm;
7 http://www.clevelandfed.org/research/Commentary/2007/12.cfm;
8. http://www.midiasemmascara.com.br/artigo.php?sid=5699.
[1]
Professor de matemática do IFPI, Piauí / Brasil.
[2] Atualmente no poder com o
Primeiro-Ministro escocês Gordon Brown, sucessor do também trabalhista Blair, o
qual comandou uma parcial desfiguração do partido, com o objetivo, de segundo
suas palavras, poder ganhar as eleições da qual saiu como Primeiro-Ministro.
Nos anos de 2001 e 2005 os trabalhistas tiveram vitórias esmagadoras,
contrariando a existência de maioria mínima que geralmente ocorre. Entretanto,
os resultados das eleições locais ocorridas em maio de 2008 apontam uma nuvem
negra para o partido trabalhista, pois os resultados foram esmagadores em favor
dos conservadores, com o crescimento de outros partidos. Conforme se pode ver a
partir dos resultados disponíveis no sítio eletrônico da Comissão Eleitoral do
Reino Unido [http://www.electoralcommission.org.uk/election-data/index.cfm].
[3] É um grande palácio, com mais
de 1000 salas e mais de 5Km de corredores com a maior parte de suas
dependências tendo sido construída no século XIX. Westminster é uma contração
das palavras inglesas west e monastery. Historicamente, os palácios que
existiam onde hoje está o de Westminster ficavam nas proximidades da abadia de
Westminster, a qual situava-se na região oeste da cidade de Londres. A
construção mais antiga deste palácio é o Westminster Hall, erigido em
1097. O mesmo foi sede das cortes supremas durante longo período, tendo
ocorrido aí o julgamento de Carlos I
[http://pt.wikipedia.org/wiki/Pal%C3%A1cio_de_Westminster].
[4] Este princípio clássico,
baseado no ditado de que a união faz a força foi dissecado pelo politólogo
francês Maurice Duverger e em linhas gerais afirma que o majoritarismo
eleitoral leva ao bipartidarismo, ou seja à predominância de dois grandes
partidos sobre os demais, com alternância de poder dos mesmos e a representação
proporcional leva a uma multiplicidade partidária [http://www.janda.org/c24/Readings/Duverger/Duverger.htm].
[5] Uma clara concessão para que
os povos da Irlanda do Norte também não trilhassem no caminho da unificação da
Irlanda, como pregam os partidos unionistas irlandeses.
[6] A propósito, os vinte
ministros que formam o Gabinete dedicam 55 minutos diariamente para responder
às perguntas dos cidadãos, e mais de 50 mil perguntas são respondidas por ano
nestas audiências diárias [http://www.britishembassy.gov.uk/servlet/Front?pagename=OpenMarket/Xcelerate/ShowPage&c=Page&cid=1079977063151].
[i]
Este artigo foi feito em maio de 2011 quando o autor era aluno do curso de
direito municipal da ESAPI, em Teresina-PI / Brasil.