Um velho ditado, sábio e lógico, diz que pode haver lógica sem direito mas, direito sem lógica, nada mais é do que um imenso conjunto vazio. O que aqui expomos talvez não seja direito, mas lógico é e, neste caso, é pelo menos candidato a ser direito. Nosso tema é a conexão entre mensalão e embargos infringentes. Iniciemos com duas normas muito faladas nestes últimos dias.
“Art.
609. Os recursos, apelações e embargos serão julgados pelos Tribunais de
Justiça, câmaras ou turmas criminais, de acordo com a competência estabelecida
nas leis de organização judiciária.
Parágrafo único. Quando não for unânime a decisão de segunda instância, desfavorável
ao réu, admitem-se embargos infringentes e de nulidade, que poderão ser opostos
dentro de 10 (dez) dias, a contar da publicação de acórdão, na forma do art.
613. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto
de divergência. (Incluído pela Lei nº 1.720-B, de 3.11.1952).
...
Art.
810. Este Código entrará em vigor no dia
1o de janeiro de 1942.
Art.
811. Revogam-se as disposições em
contrário".
“Art.
333 - Cabem embargos infringentes à decisão não unânime do Plenário ou da
Turma:
I
- que julgar procedente a ação penal;
II
- que julgar improcedente a revisão criminal;
III
- que julgar a ação rescisória;
IV
- que julgar a representação de inconstitucionalidade;
V
- que, em recurso criminal ordinário, for desfavorável ao acusado.
Parágrafo
único. O cabimento dos embargos, em decisão do Plenário, depende da existência,
no mínimo, de quatro votos divergentes, salvo nos casos de julgamento criminal
em sessão secreta".
Estas
são as duas normas básicas relacionadas à suposta polêmica dos embargos
infringentes no processo do mensalão. A primeira (Art. 609) é do Código de
Processo Penal - CPP da era Vargas, acolhido pela Constituição Federal de 1988
e, a segunda (Art. 333, RI/STF), do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
Para
um observador não muito atento e que também não seja versado em lógica, estas
normas parecem estar em colisão no que diz respeito ao processo do mensalão. Mas
não é este o caso. O CPP diz taxativamente, “Revogam-se
as disposições em contrário” (Art. 811, CPP). Portanto, ele só permite, em
conformidade com o seu artigo 609, aplicação do artigo 333 do Regimento Interno
do STF, quando o caso for de segunda instância.
E aí vem a pergunta incômoda: o caso do mensalão é de segunda instância? É óbvio que não.
A
Constituição de 1988 retirou do parlamentar esta possibilidade em relação aos
crimes comuns, conforme artigo 102 da Constituição Federal:
"Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal;
b) nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República;
... ".
Vejam
que o texto beijado pelo Velho Ulisses Guimarães é muito claro e, também, lógico.
Todos
os que estão no topo, penalmente não têm segunda
instância.
É
o preço que a hierarquia estatal republicana brasileira exige dos que estão nos pontos extremos superiores. No plano subjetivo, significa exigências em relação à
responsabilidade com a res publica. Jamais ser réu em qualquer instância é o que o eleitor espera de qualquer colega do velho Ulisses.
Não nos parece acertado dizer que os embargos infringentes, no âmbito penal, foram extintos no STF pela Lei 8038/90 (http://heliofernandes.com.br/?p=73922#respond). Eles não existem, devido a Art. 102, I, b, CF/88, nos casos onde o STF age como primeira (e última!) instância. Quando o STF age como segunda instância, que é o caso usual, desconheço motivos que impliquem a inexistência legal dos embargos infringentes. A propósito, a Lei 8038/90 os cita quatro vezes.