Explicando as Manifestações no Brasil: o dia de Habermas

"Não pára, não pára, não pára não!"

Dificilmente pararão. É o que pensam os entendidos. Eu também concordo com este ponto de vista, pois as pessoas do Brasil, nas grandes cidades, sempre voltam para suas casas à tarde (muitos já à noite!), em ônibus lotados e, devido a isto, sempre haverá reunião de muitas pessoas com motivos mais do que suficientes para manifestações violentas. E a internet está aí mesmo para divulgá-las. Adiar artificialmente a solução do problema, só irá agravar a situação. Vejam o transporte alemão, onde tudo funciona!

 

Dilma Rousseff, no metrô de Fortaleza-CE, hoje. Tarde demais? 

Fonte: http://www.brasil247.com/pt/247/pernambuco247/108952/Transporte-p%C3%BAblico-%C3%A9-um-problema-dos-brasileiros.htm

Só metrôs em grandes quantidades podem evitar esta massa crítica para manifestações populares. Se o PT (ou qualquer outro que esteja no poder!) quer continuar vivo, que faça logo o que estou a dizer.

Tive uma conversa muito esclarecedora com o ex-prefeito de Teresina-PI, Elmano Férrer, o qual foi o governante que mais sofreu com as manifestações em prol da melhoria dos transportes coletivos, em todo o Brasil. Teresina-PI é uma cidade pequena, mas as manifestações por aqui, que ocorreram há mais de 1,5 anos, foram colossais e muito violentas. Quanto a mim, a explicação que tenho proposto é a apresentada abaixo.

No exato momento em que escrevo este texto, os dirigentes do governo brasileiro tentam inserir discursos pró-governamentais que ocupem as mentes dos jovens brasileiros navegantes da INTERNET. Tentaram uma constituinte parcial restrita às questões da reforma política[1], um plebiscito sobre a reforma político-partidária e agora enfatizam a suposta espionagem estadunidense nos meios de comunicação brasileiros. O governo tenta a todo custo canalizar o levante popular a seu favor. A classe política está amedrontada, e com justa razão, pois na história do Brasil nunca se viu manifestações espontâneas desta magnitude. Os partidos de oposição até agora foram incapazes de tirar qualquer proveito do movimento. Manifestantes dos partidos de esquerda, que durante dezenas de anos desfilaram com suas bandeiras, foram fisicamente impedidos, de participar destas últimas manifestações, pois, simplesmente, os jovens tomavam os paus de suas bandeiras para "surrá-los". Os jovens disseram com todas as letras: os partidos não nos representam. Foi instalada uma verdadeira crise de representação. Parlamentares chegaram a propor a extinção dos partidos políticos.

Os jovens marcam as passeatas através das redes sociais sem que hajam líderes ou liderados, dificultando possíveis cooptações que possam enfraquecer o movimento, o qual, até o momento, está sendo encarado como um fenômeno caótico. O movimento foi feito nas ruas por alguns milhões de pessoas, o que é pouco em comparação com a população brasileira. No entanto, ele teve o total apoio desta. Caóticos também estão sendo consideradas as repercussões políticas do mesmo. A rota do movimento vai da internet para as ruas, praças, órgãos públicos e residências de políticos, destes locais para a imprensa livre e, esta, realimenta o ciclo, o enviando para os locais anteriores. Como o fenômeno parece ser caótico, nada se sabe acerca de seu futuro, se ocorrerão ou não novas manifestações, e quando ocorrerão. Visto que a fonte das manifestações se dá pela internet, tudo indica que as manifestações são fruto da livre comunicação entre as pessoas, enfim, da conjunção da esfera pública abstrata com a esfera pública habermasiana episódica[2].

 

Jürgen Habermas

Acreditamos que a teoria habermasiana da comunicação nas esferas públicas explica teoricamente o fenômeno das manifestações brasileiras. 

Falemos, portanto, um pouco de Habermas, o mais consagrado filósofo alemão da atualidade, o filho predileto de Frankfurt, a "Terra de Göethe e da Escola de Frankfurt" (lema da cidade). Quanto ao modo pelo qual novos temas podem entrar na agenda política, Habermas fala em acesso interno, mobilização e iniciativa externa, este último, através da pressão da opinião pública, ou seja, da esfera pública. Citemos Habermas:

“O modelo da iniciativa externa aplica-se à situação na qual um grupo que se encontra fora da estrutura governamental: 1) articula uma demanda, 2) tenta propagar em outros grupos da população o interesse nessa questão, a fim de ganhar espaço na agenda pública, o que permite 3) uma pressão suficiente nos que têm poder de decisão, obrigando-os a inscrever a matéria na agenda formal, para que seja tratada seriamente” (HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Vol II. 2ª ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003b. p. 114).

Os políticos do Brasil, no presente momento, só falam das manifestações. Nós brasileiros não sabíamos o que era a pressão da esfera pública abstrata. Conhecíamos as pressões dos outros dois tipos habermasianos de esfera pública. As manifestações foram impactantes e causaram medo. A provocação de uma perturbação mínima por parte de grupos organizados interessados em derrubar o governo, ou até mesmo um evento fortuito catastrófico, tal como uma pequena rebelião militar em tempo e espaço sensíveis, poderiam ter desencadeado uma insurreição popular de grandes proporções. E as pessoas inteligentes dos governos já perceberam isto (lideranças políticas muito fizeram para minimizar os levantes!).

A eliminação da impunidade dos corruptos está na agenda política sem que os corruptos a tenham posto. Habermas diz que a inserção de novos temas na agenda política não significa cumprimento dos mesmos. É o que se vê no Brasil. O Senado Brasileiro, na noite do dia 21/06/2013,[3] aprovou uma grande quantidade de propostas as quais, sem as manifestações, dificilmente seriam aprovadas com tanta rapidez. Se o movimento parar, talvez sejam esquecidas. Vejamos o que diz Habermas a respeito deste tipo de fenômeno:

“Basta tornar plausível que os atores da sociedade civil, até agora negligenciados, podem assumir um papel surpreendentemente ativo e pleno de conseqüências, quando tomam consciência da situação de crise. Com efeito, apesar da diminuta complexidade organizacional, da fraca capacidade de ação e das desvantagens estruturais, eles têm a chance de inverter a direção do fluxo convencional da comunicação na esfera pública e no sistema político, transformando destarte o modo de solucionar problemas de todo o sistema político” (HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Vol II. 2ª ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003b. p. 115).

A seguir, apresentamos uma entrevista com um pensador sartreano da UFRJ sobre o tema: http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=Y2tOIWT_6VA

[1]Tentativa refutada por quase todos os juristas brasileiros em menos de 48 horas. Estes argumentaram que as questões político-partidárias estão conectadas a quase todas as outras questões sociais, o que torna inviável tal constituinte. Lembraram também que a via legal para realizar a reforma política é a estabelecida pela Constituição Federal, isto é, as emendas constitucionais.

[2] Habermas identifica três tipos básicos de esferas públicas, a saber, episódica, de presença organizada e abstrata. As primeiras são, por exemplo, os eventos sociais espontâneos, a segunda as reuniões partidárias, sectárias, religiosas, artísticas e científicas. As últimas, a internet, espectadores, leitores e ouvintes (HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Rio de janeiro: Tempo Brasileiro, 2003a).

[3] No dia anterior a este dia de solstício ocorreu a maior manifestação espontânea da história do Brasil. Foi, também, uma das maiores marcadas exclusivamente pelas redes sociais da internet. O Povo Brasileiro, que até aquele dia era conhecido como um dos mais acomodados da Terra, disse, a partir do consenso estabelecido pela ética do discurso de Habermas, não, aos desmandos praticados pela classe política brasileira durante meio milênio. Este evento estabeleceu definitivamente, e na prática, o caráter universal da teoria da ética do discurso de Habermas, da mesma forma que as fotografias de Sobral provaram a teoria da relatividade de Einstein.